12 janeiro 2014

Os patriotas





Diane Arbus chamou-lhes Patriots. E eles trazem na lapela  o distintivo do Thanksgiving ou do 4th july e nas mão o pavilhão das estrelas e das riscas.  Não parecem muito dotados, mas a distribuição dos dons é provavelmente semelhante entre os patriotas e os não patriotas.  Devia dizer “menos patriotas”. A ideia de patriotismo é tão forte, tão consensual, que é difícil encontrar alguém que dela se exclua.  Os marxistas antigos eram internacionalistas pois, para eles,  o colectivo que transportava a superioridade moral era a classe operária. Mas o PCP, mesmo nos tempos da iluminação soviética, sempre teve o cuidado, algumas vezes obsessivo, de reclamar as suas propostas como patrióticas.
O nacionalismo é a ideologia que declara a nação como a unidade politica “natural”.  ( Já estou a ficar farto de tantas aspas, mas isto é matéria para pinças) Historicamente floresceu com o iluminismo e o romantismo, paradoxalmente contra a anexação das guerras napoleónicas e depois nos territórios do Império austro-húngaro reconstruído.  Deu origem aos estados-nação com a bandeira , o hino, a língua nacional, o panteão, o dia da nação, as Ordens honoríficas e mais tarde a selecção nacional de futebol. No século XX, a ideologia nacionalista foi aproveitada pelas ditaduras de extermínio. Esteve na origem das guerras mais letais da história e permitiu o recrutamento dos jovens para uma morte colectiva e programada.
Na Europa actual, aparentemente sem fronteiras, o Estado-nação, com homogeneidade de história, tradições culturais, língua, não existe. Mas os demagogos e os políticos ambiciosos estão sempre a aproveitar uma vulgata simplificada da” história da nação” para unificar os interesses diferentes das populações, enquanto prosseguem, silenciosos e opacos, politicas económicas transnacionais.
O patriotismo e o nacionalismo fazem continuamente apelo a ideias irracionais e contêm subjacente uma ideia falsa : a de que existe, na entidade politica nacional apenas uma história, uma cultura, uma religião, uma língua, uma raça. E atrás dessa ideia falsa, uma ideia mortífera: a nossa é a melhor.
Danilo Pabe, um rapaz que cresceu na Jugoslávia em decomposição sangrenta e se exilou em Inglaterra, foi recebido como um respeitável foreigner e hoje, 20 anos depois, é um fucking Eastern European immigrant, o que mostra a persistência das ideias xenófobas e racistas, mesmo quando cobertas pelo banho de chocolate da “cultura da tolerância”.
Eu não sou patriota nem nacionalista nem faço distinções subtis, embora saiba que existam. Interessa-me mais insistir na multiplicidade de culturas, línguas, referencias culturais e históricas, religiões, existentes no mesmo território. Como de formas de relacionamento amoroso e de famílias, mas isso, como diria Danilo Pabe, é outra história.
Se alguma vez me virem trair esta declaração, fotografem, por favor, ponham-me na mão uma bandeira e debaixo da foto uma palavra simples, que de algum modo lembre a Diane Arbus.



La hija del Este, Clara Usón, Seix Barral  2012
(tradução portuguesa anunciada para breve)

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2 Comentários:

Blogger Alexandre Rodrigues disse...

Os "estranhos" ou estrangeiros, ou como lhes queiram chamar foram e serão sempre bodes expiatórios dos politicos, não porque os primeiros tenham alguma culpa em querer uma vida melhor e trabalhar para isso, mas por incompetência dos últimos em gerir políticas honestas de imigração. E como se isso não bastasse usam os meios de comunicação social para alimentar essa falácia e aumentar a desconfiança por parte dos "nativos", o que quer que isso queira dizer, dado que muitos de nós, especialmente os nascidos nas metrópoles de antigos impérios, descendentes de imigrantes.

domingo, janeiro 12, 2014  
Blogger Fernando Torres disse...

Há um imenso vazio ao sábado no I, naquele suplemento LIV.

quinta-feira, janeiro 23, 2014  

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