31 maio 2004

Depois de T.

Regressado de T. a luz dói nos olhos como os acentos nas vogais. E o que ilumina a luz? A ignomínia. A vitória dos emboscados, dos que juram sobre os livros sagrados, dos cães de guarda da plutocracia. A vitória parcial e efémera, diz o meu amigo optimista. Mas, vista à luz excessiva do Sul, a vitória parece por mil anos. Felizmente, as mulheres continuam lindas. Corajosas, elas levam as crias até onde há sombra e alimento.

29 maio 2004

Em T.

Visto de T. o ar ee leve, a agua esta por todo o lado e assim ee tambem o meu amor.

28 maio 2004

Drift ou Encontro com o corpo na Sauna

Drift ee a palavra apropriada para descrever o que te aconteceu. Para os que estao menos familiarizados com a genetica drift ee a acumulacao gradual de mutacoes que resulta na emergencia de uma variante com propriedades diferentes. Foi assim que te reencontrei, meu velho amigo. Continuaraas pronto para todas as loucuras?

27 maio 2004

O dia em T. ainda

Esta frio, as pessoas estao ao sol - mas so os muito jovens. O rio chama-se Rapido e diz-se sempre Rio Rapido. A cidade organiza-se em redor da sua memoria industrial. A agua esta por todo o lado. Sao quatro horas e o sol ainda nao chegou ao meio-dia.

Em Hammelind

O castelo de Hamme em Hammelind foi prisao quando deixou de ter funcoes defensivas. Recebia as mulheres da regiao que nao tinham familia, nem valor para a producao. As bruxas, as putas, as loucas. Isto contava a guia, mas podia nao contar que o frio, a escuridao contariam por ela a historia das mulheres encarceradas para morrer depressa no castelo de Hamme, em Hammelind, no reino dos suecos. Escorria dos muros uma quantidade insuportavel de sofrimento. E os visitantes riam, alarves. E as mulheres dos visitantes riam com eles. E falavam do passado com aquela sobranceria que os contemporaneos exibem quando falam dos seus antecessores, mesmo recentes. Como se fossem o produto acabado da especie, o fim da evolucao.
Um dia, em breve, uns passearao nas ruinas de Guantanamo, nas prisoes do Afeganistao, do Gulag, do Tarrafal e dirao piadas sobre estes que noos fomos.

O dia em T.

Contam-se uma a uma as horas que faltam para a noite. E depois nao ha noite em T.A noite ee soo o olhar baco de deus sobre o Norte.

Antologia de O Mal: RIINA KATAJAVUORI

Perspective

Across the water
not into the forest, stop

Across the water
never turn your back to the water
ever

look the forest in the eye
across the water slides the gaze
home, furtively

turn your back to the water
never

26 maio 2004

Dןזת קצ יקנרשןבם

יש בורןםדשםד שבםמאקבןצקמאםד משד הןשעקמדץ בםצם קדאק גק /וקרקר קדברקהקר דםנרק ם בשדאקךם גק Hשצצקך ק דשןר קדאש בםןדשץ גקהקרןש קדברקהקר דםנרק ם יםבשודאם קמאשם?

Para nao dizerem que nao falei de politica

Visto de Tampere Santana Lopes ee pequeno.

T City

Aqui em T. olho para as horas para saber do dia, quero dizer, para supor em que tempo do dia das pessoas eu estou. As bicicletas däo-me pistas, talvez: nem tudo se faz em bicicletas. Todos os rostos säo demasiado graves, soo graves aas horas todas. Treino uma face fechada que me guarde atras. Para que se näo veja que aqui em T. estou de passagem, a vida um quase nada mais emprestada do que a deles.

25 maio 2004

Nunca ee noite em Tampere

Ja era noite mas nunca ee noite em Tampere. Ee mentira que Ulla Haanna tenha faltado ao encontro. Eu näo percebi o nome do restaurante, a hora, o dia, sei laa. Como ee que eu ia perceber o ugro-finico, a lingua de Suomi, ainda para mais nesse dialecto impossivel da Karelia? O homem do restaurante foi providencial. Jaa aa despedida, afectuoso, disse-me para esquecer a mulher que me fizera jantar sozinho. Eu achava que lhe devia agradecer pela simpatia que revelara, a ajuda na escolha da comida, mas näo encontrava o tom adequado. Foi entäao que ele me deu o cartäo do restaurante e percebi o logro. Corri pela Rua Sammonkatu, atravessei Ratinan suvanto atee Viinikanlahti o unico sitio de Tampere onde posso escrever um post, jaa näo a tempo de encontrar a Professora Haanna mas talvez a tempo de escrever isto , aguma coisa parecida com isto: eu sei que ela näo faltaria nunca a um encontro.

T City

Aqui em T. mal percebo a luz a vir. Ee acima demais para os dias, ve-se na pele das maos das mulheres e nas caras das crianccas. Quando voltar vou levar disto nos olhos e vao dizer-me de onde vim, de T., ao Norte de tudo.

24 maio 2004

O par improvável

Dividido entre o apelo do coaxar de rãs e de água nos aspressores—um bocado artificiais— e as folhas brancas brilhantes sigo o instinto. Encostado por acaso escuto o diálogo de um par improvável, ele mais velho de cabelo pouco arrumado, óculos desactualizados e um fato que lhe cai mal e ela irrepreensível de contorno dentro de um vestido de linho claro, acho que se chama Rosete. Ajeito-me melhor em posição invisível e percebo que são amigos, ele tem um jeito especial de fazer um elogio merecido sem deixar resvalar o tom para a banalidade lamecha, caminha com desembaraço sobre a linha e ela perspicaz sabe-o. Sento-me agora de modo mais confortável, apercebo-me de outras pessoas que passam lá em baixo e que fitam Rosete, depois olham para eles, para o par improvável, e voltam a olhar para Rosete. Eles notam os olhares inquiridores mas não alteram o tom viajando agora para assuntos mais intímos. Respeitam os silêncios prolongados, talvez ouçam as rãs, talvez tentem adivinhar qual comecará a próxima palavra ou talvez apenas sintam o que há de sensual na respiração do outro. Tem tudo para ser provável, acontecia o par se tivesse de acontecer. Esqueci-me das horas, as rãs já foram dormir, amanhã cedo levo as folhas brancas brilhantes com letras rigorosas pretas. Pretos serão também os papos debaixo dos olhos que já nem o chuveiro nem a idade me podem agora operar um milagre. Com as folhas brancas brilhantes debaixo do braço posso entrar em salas cheias de homens de fato azul ou às riscas e gravatas vermelhas e mulheres de vestidos garridos com decotes correctos. Todos juntos, em uníssono, daremos mais uns passos no volteio. É no par de Rosete, lá fora, que penso para tomar o freio nos dentes.

PC

Ainda no Restaurante de Tampere

Haanah, a Professora Ulla Haanah, a editora de Biology & Nature, faltou ao encontro do restaurante de Tampere. Os restaurantes fecham cedo em Tampere, os finlandeses parecem ser gente de interiores. Encontrei-me sozinho numa desolada mesa com um talher a mais com o criado de mesa a perguntar pelas ordens. Enquanto levantava o outro prato explicou-me que este tipo de desencontros eram frequentes na Finlandia. Promessas de um mundo melhor que nao se concretizam no terreno. Eles chamam-lhe o espirito de Helsinquia e vao fazendo pela vida sem demasiado empenho nem ilusao. O meu entusiasmo pelo olimpianismo parece estar a esmorecer.

23 maio 2004

Encontro no Restaurante

Ulla Haana e biologa em Tampere. Investiga o comportamento sexual de uma mosca cuja especie, por razoes que se prendem com a existencia de trabalhos ainda ineditos, me escuso a revelar. Tem escrito artigos decisivos para a compreensao da mosca e da sexualidade em geral. Nas revistas assina tambem editoriais e comentarios cheios de humor e sabedoria. Para a autoria dessa materia menos cientifica usa um heteronimo. Embora me faltem quase todas as qualidades que possibilitam a exegese foi-me facil perceber que a cientista meticulosa e a brilhante editorialista de Biology & Evolution eram a mesma pessoa. Ha tempos que trocamos mails e perpassa entre nos uma corrente quente de cumplicidade. Mas a corrente quente da cumplicidade ee como a Corrente do Golfo. Chega a lugares inesperados, atribui-se-lhe a temperanca onde so gelo e desolacao era suposto haver. De facto nunca ninguem viu a corrente do Golfo.
Agora, aqui em Tampere, era forcoso que encontrasse Ulla Haana e combinaamos um jantar no Restaurante Hämmeläijis, onde ha quinze minutos me encontro, olhando a porta por onde entraraa a mulher que talvez seja Ulla. Sinto um subito desinteresse pelo comportamento sexual da mosca. Quando dou conta, essa acedia estende-se a todas as especies e individuos sobre a Terra.

Sleepless

O dia todo esgotei-me e fiz-me vulnerável à noite. Neurónios obstinados mentem que este corpo cansado e eu, podemos atravessar assim a escuridão.

O amarelo fica-lhe muito bem.

Desespero em Tampere

Ee tao dificil escrever dos sitios
onde se nao estaa
de Tampere
sem teclado que nos diga
o til e a cedilha

aa chuva e ao frio
de Tampere
entre a humidade e a infeccao

aa espera de um post
que nao vem

olha fica assim mesmo
quando voltar
hei-de poor os acentos

e contar das noites
roubadas a zyban

22 maio 2004

Antologia de O Mal: Ulla Hahn


Pré- Escrita

Esta Saudade
de te chamar pelo nome
Este receio
de te chamar pelo nome

Esta saudade
de manter a palavra
Este receio
de apenas manter a palavra

Esta saudade de uma vida
que não dê em poema
Este receio de um poema
que antecipe a vida.

Ulla Hahn
Relógio D'Água, 1992

Bang!

Quando o zangão consegue introduzir o aparelho copulatório na Rainha e descarrega o esperma, explode, bang . Deixa de existir, mas assegurou duas coisas: a transmissão dos seus genes e a exclusividade dessa transmissão. Os seus restos mortais obliteram a intimidade da Rainha e impedem-na, por algum tempo, de copular com um rival.
A Dra Tatiana(*)conta esta história no consultório sexual a propósito do mito da castidade feminina e da filandria dos machos. Mas não é este aspecto da história que me inquieta. Uma das minhas pequenas vantagens autísticas é nunca me ter preocupado com a fidelidade das mulheres e não ter sido preciso que dissecassem essa treva de terror que é o ciúme masculino para perceber que devia ter origem num comportamento ancestral das parceiras que pusesse a paternidade em incerteza.
O que me assusta, aqui como na louva-a-deus que devora o macho optimizando os seus espasmos penetrantes, é a demonstração do que Dawkins escreveu com crueza há quase trinta anos: somos o envelope do nosso DNA. Dançamos à sua música. Existe afinal um sentido oculto das coisas: o êxito da sobrevida do DNA, do material genético.
Que importa que o nosso envelope tenha desenvolvido o Sistema Nervoso Central, esse (outro) apêndice complexo com que se representa a si próprio e representa o mundo? Com que cria a música, a poesia, a religião e a blogosfera? Que importa que tenhamos conseguido dissociar a sexualidade e a reprodução (essa finta divina que Larkin celebrou e percebemos que aconteceu afinal há tão pouco tempo, em 1963, between the end of the Chatterley's ban and the Beatles first LP). ?
Querem um desígnio? Tomem o zangão. Bang, bang. Agradeçam que seja outra a Estratégia Evolutiva Estável que a vossa espécie seleccionou. Mas façam-no sem alarde. Humildemente.

(*) Dr Tatiana's sex advice to all creation, The definitive guide to the evolutionary biology of sex, Olivia Judson, Vintage 2003

21 maio 2004

Começa-se a adivinhar que podem...(continua)

Há menos de 150 anos os maoris massacraram os maororis. À paulada. Homens, mulheres e crianças perseguidos nas covas e abatidos. Há 500 anos Pizarro encontrou Atahualpa. Trinta espanhóis passaram pelos ferros- era o aço a sua principal superioridade civilizacional-a plutocracia do imperador sul americano e a seguir milhares de soldados incas descalços e com paus. Até ser noite e não haver senão sangue e corpos mutilados. E foi assim em grande parte da história dos homens. O massacre, a violação, a escravatura, a negação da condição humana dos mais fracos. A este horror chama-se guerra.
No século vinte parecia ter-se afirmado uma perigosa “utopia”: todos os conflitos podem resolver-se pacificamente pela negociação e pela intermediação de organizações internacionais.A vanguarda desse movimento utópico seria a burocracia das grandes instituições internacionais, com relevo para a ONU e as suas múltiplas organizações, o universo cada vez mais pesado e institucionalizado das ONG, a burocracia transnacional da União Europeia, o establishment cultural, jornalístico, escolar e académico europeu e, pouco a pouco, as opiniões públicas europeias.
O vice presidente do Parlamento Europeu, em viagem pela Rússia, escreveu ontem um panfleto marxista onde pretende cunhar o termo olimpianismo (Minogue) para caracterizar esta “utopia”.
Todos os neologismos são bem vindos. Habitante de Hades, declaro-me desde já um simpatizante olimpiânico a abater, cúmplice, quiçá membro, do establishment cultural, jornalístico e académico europeu e norte-americano, embora, unfortunately, não da burocracia transnacional da União Europeia. Mas o panfleto trouxe-me à memória outro termo, um que Paul Nizan propôs há 50 anos: “Chien de garde”.

20 maio 2004

1951, Oscar Peterson

desculpa se as palavras saiem um pouco onduladas flutuando e se falho uma ou outra letra sem notar enquanto abano a cabeça e tento teclar por cima das notas do piano e se os pés saltitam e me fazem perder o contacto com o chão os braços abrem e fecham e fico tonto com a náusea que pressinto antes da vertigem que o som me traz e se agora está escuro e em delírio vejo um piano escorregando sobre linhas de pauta onde um homem grande se curva e contorce com um engulho no estômago ou um nó na garganta e se só depois percebo que é a circulação do júbilo que o acomete pelos seus dedos longos e se então uma luz apenas mais clara que o negro me mostra que ele está de costas toca de olhos fechados corpo retesado e dedos imovéis e paira no ar a música que ouvimos em estridente silêncio que ele emitiu em formato respirável e vive para além de si. Aplausos?

PC

Educação Sentimental

Escrevo-te à pressa do Grande Norte, a horas impróprias, na época do ano em que a noite nunca cai. Preocupado com as fases avançadas da tua educação sentimental descurei as lições elementares. Quem ama nunca duvida. O amor é um engano absoluto, uma treta, mas a treta divina. A resposta está na pele, no cheiro, no dorso dos dedos. A resposta está no calcanhar, essa zona íntima. Os vigilantes do corpo das mulheres, os que policiam a sua sexualidade, os alfaites das burkas, sabem-no bem: elas nunca deveriam mostrar essa intimidade.

littleblackspot3

Os blogs renovam-se várias vezes ao ano. Os blogs das mulheres bonitas estão sempre a mudar. Estejam atentos ao novo template desta

19 maio 2004

O casamento espanhol

Não percebo tanta expectativa. Estão à espera de quê? Que ela diga que não? Os antigos namorados façam escândalo? A duquesa do Quente falte? A Rainha Sofia vista Custo? O pretendente à coroa portuguesa vá de samarra?

//sent by André Bonirre

Alguém tem um jardim?..

Poisei o CD em cima do carro e assegurei-lhe vou-me esquecer de ti aí, já dei voltas a tudo, procurei na berma da estrada e vasculhei na sarjeta ao pé de casa. Parei outra vez no semáforo verde e demorei demais a compreender a intenção da buzina do turbo atrás de mim. Não ajuda se atrás do balcão me pedem todos os dias as palavras exactas. Hoje sonhei que era um burrinho a quem faltava um jardim para ser feliz.

PC

Educação Física

Acontece no exercício físico extremo ou prolongado. Se caminhares nas colinas, na Primavera, com esforço, sem conseguir falar. No squash sim também, no body qualquer coisa. Há um momento em que parece que não podes mais, um instante de sacrifício, em que o ar queima os brônquios e o peito te pede para parar. Depois é como se umas amarras se soltassem e é então que és livre, leve, e avanças envolta num casulo de seda fina que te torna invulnerável mas sentindo que és a mesma coisa que as árvores e as pedras e a água. As cores voltam numa paleta ofuscante, se soubesses cantar cantavas, vem-te à cabeça um verso perfeito. Como os neuromediadores se concentraram no sistema límbico, no hipocampo, podes julgar que é o amor, essa treta. Quando voltares à tua pulsação normal, essas zonas voltam a ter sangue conveniente. Por um atalho neuronal, acontece lembrares-te. Podes escrever na pele para que não te esqueças: foi tudo do cansaço, passou-se tudo na intimidade do teu metabolismo.

Condenados para sempre: les damnés de la terre

O governo dos traficantes de armas-mulheres-crianças-droga e lixo-nuclear, o poder dos assassinos, torna infundadas as esperanças dos que têm tão só a consciência e o frágil voto. Desculpa jmf se te enganei.De vez em quando há um sopro de esperança que não sou logo capaz de reconhecer, e me contagia.

À espera de postar

Só para dizer que quando não postamos, estamos assim, olhando o céu.

São rosas

Imaginem o Governo em reunião. Essa concentração de fatos escuros com gravatas azuis às riscas, assessores, secretárias muito frescas e muito incompetentes, public relations, responsável do cattering, gestor de imagem, chefe do protocolo. O primeiro-ministro está a assinar um diploma e levanta os olhos com um ar severo interrompendo as conversas. Já tens bilhete para o Genselkirshen? ouve-se Que moção é que se vai apoiar no fim de semana? ouve-se. Meus senhores, concentrem-se, isto é um Conselho de Ministros. O secretário de Estado do MAI, instado pelo chefe do Governo, levanta-se e lê o diploma legal: "O Conselho de Ministros aprova que a nova ponte sobre o Mondego passará a ser Ponte Rainha Santa Isabel"

18 maio 2004

EhEhEh

Uma tinha mãos esguias com dedos longos, unhas ovaladas que inspiram ternura e são ( parece tê-lo dito Stendhal) uma promessa de felicidade . Outra tinha mãos sapudas, confiáveis mãos suadas. Diz-me lá tu, oh discípula de Dawkins e de Maynard Smith, qual é a Estratégia Evolutiva Estável (EEE)?

Pró americano e pró israelita

Gosto dos americanos. Dos americanos que fizeram as marchas dos direitos cívicos, as concentrações contra a guerra do Vietnam, o Watergate, que trocaram as voltas aos colegas do David Lodge, vindos das atrasadíssimas universidades do Velho Continente.
Gosto dos israelitas. Dos israelitas que se manifestam pela paz, que construiram uma democracia no Médio Oriente, que foram perseguidos e se reencontraram , que formam com os árabes pontes para baixar a intensidade do conflito e possibilitar o diálogo.
Isto era um post sério, carago. Mas também gosto do sexo oral e do Espírito a soprar entre as fendas do Muro.

17 maio 2004

Um ano de petas

Parabéns masson.

A Hárpia iconoclasta

Mas não houve um sequer, pelo menos um dos que desfilaram contra a guerra do Vietnam tendo nos olhos a criança que fugia do napalm, que depois da derrota dos americanos, continuasse a interessar-se pelas crianças vietnamitas? Não haverá um, um que seja dos milhões que disseram não à guerra do Iraque, e que agora se entristecem ao ver as prisões de Abu Grahib, que amanhã continue a comover-se ao ver homens vítimas de tortura e humilhação.

Ou devemos agradecer a paz aos belicistas ? Confiar a agricultura aos fabricantes de napalm? Concluir que os direitos dos presos estão bem entregues aos que redigem os regulamentos de Guantanamo ?

A hárpia não me confiscará os ícones: e se os quer a sério vou já buscar dois. Um é o Luís Má Sorte, mas não, sobre esse não vou dar pormenores. O outro é Ruy Belo que prometeu que nenhum ícone mortal seria nosso.

Da Desigualdade nos campos de futebol

Gritam o nome do clube. Mas uns chamam-lhe glorioso. Cantam o nome do clube. Mas uns cantam a sigla, que ela só chega. Gritam nomes. Mas uns gritam o nome do rapaz morto em campo. Levantam bandeiras. Mas uns levantam o pano cor de sangue.

Debaixo do Sobreiro

Casaram-se debaixo do sobreiro. A árvore está sozinha no meio de um mato pouco agreste. A partir da casa chega-se por um carreiro de margens floridas. Cabem todos debaixo da copa da árvore, os convidados, as famílias e a conservadora do Registo. Esta cerimónia tem um significado que me escapa, porque estes campos, este horizonte dos países baixos, mesmo esta árvore, remetem para paisagens e tradições que não são as minhas. Olho para os convidados e vejo que alguns se comovem. E também não percebo a sua comoção. Ele, conheço-o, é um homem para todas as estações. Tem um currículo invejável. Além do mais fez as levadas da Madeira em nove dias, de uma à outra ponta da ilha, a costa vicentina em três, subiu ao Covão Cimeiro com neve e gelo e daí pelo carreiro dos Mercadores. Vai assegurar a estabilidade do casamento, a educação dos filhos a vir, algum desafogo nos rendimentos. Lê-se-lhe nos olhos e nas mãos, no cabelo ondulado, na forma sólida com que se mexe. Ela tem o ar nervoso das mulheres mediterrâneas. Não pode ser tudo perfeito debaixo do sobreiro.

14 maio 2004

Da Blogosfera

jmf tem agora um farol para as Terras do Nunca. O Poemário de hmbf está a crescer. Grande Loja tem uma memória de elefante.O nome causa calafrios.

O fim do amor entre os motards

O amor acaba a todas as horas mas sobretudo à tarde já se sabe. Acaba sem dor como uma hemorragia. Não acaba nunca como o Barthez escreveu: por se tornar notada a pequena mancha no rosto antes tão liso. Os amantes adoram-se na imperfeição, na história que o tempo deixa nos rostos. Os motards sabem que o amor acaba se já pesa o corpo do pendura, se não se inclina uníssono nas curvas, se a pele do dorso não se rebela contra o couro, se os toques dos joelhos são fortuitos.

À espera da palavra

Escreve lá a palavra sarnosa. Estamos a precisar.

Podem hoje as democracias...?

Um Vice Presidente do Parlamente Europeu começou ontem a explicar porque é que as democracias (malgré lui) têm tanta dificuldade em conduzir uma guerra. Primeira advertência: o debate não deve ser conduzido no plano moral.Afirmação notável para quem esteve do lado do Bem contra o Eixo do Mal. O terreno no qual, surpreendentemente humilde, ele quer discutir, falar, é o plano mais terrestre da fragilidade das acções humanas, conduzidas por homens não necessariamente certos,nem errados, nem bons nem maus.
A guerra no Iraque está a ser perdida pela conjugação de factores clássicos- dificuldade de combater numa ecologia comunicacional agressiva, com governos e opiniões públicas respondendo a diferentes factores de racionalidade e emotividade, associada à perda de capacidade de, nas democracias, se fazerem políticas impopulares a mais do que a curto prazo, conclui provisóriamente.
Este vice presidente tem-se esforçado em alterar a agressividade ecológica comunicacional. Depois de defender que um dos problemas nacionais era o de os jornalistas não estarem sintonizados com a maioria sociológica ele oficia num modelo de comunicação em que o confronto foi substituído pelo púlpito, com jornalistas reduzidos ao papel de sacristão a quem paternalmente se chama Júlio.
Os factores emocionais a que as opiniões públicas respondem não são nomeados, mas vem-nos inevitavelmente à memória a mentira sobre as armas de destruição massiva, o regime prisional de Guantanamo, a tortura nas prisões iraquianas. Ora a mentira dos governantes, homens nem bons nem maus, a tortura dos prisioneiros, são afinal questões morais, hoje brandidas por gente que não está de boa fé e o faz de forma instrumental. Ele está de boa fé. E não é de forma instrumental que exclui da discussão os que para ela trazem argumentos morais. Se as democracias perdem as guerras é porque na ecologia comunicacional, além dos generais e dos analistas de serviço, subsiste, orgulho nosso, uma tradição de jornalismo independente. Se apesar do domínio asfixiante sobre as televisões e os jornais, os governos não conseguem levar a cabo políticas impopulares de forma prolongada, então ainda bem, talvez ainda consigamos derrotar os islamistas, os ditadores, os terroristas e quem sabe, um dia, no Parlamento da Europa ter gente nem boa nem má, mas que não mente para fazer guerras de agressão, homens não necessariamente certos nem errados com quem se pode falar, entendermo-nos ou não.

13 maio 2004

Sonia Ghandi

Aquela parte de nós deitada a Oriente, ao Oriente bramânico e hinduísta, ao Oriente onde Deus talvez exista realmente, está hoje feliz. A estrangeira ganhou as eleições. Os dados nunca estão lançados definitivamente.

Na Livraria de Angra (continuação)

(...) Disse-lhe: Margarida. Ia dizer aquela frase estúpida do teatro: Já cá estão todos. Vai correr tudo tão bem! Mas só consegui dizer: Margarida.

Porque é um nome a que não estou habituado e não me tinha preparado, nunca me consigo preparar para estas coisas, ao contrário do Nemésio, a quem sempre fluíam facilmente as ideias e as palavras, sobretudo nestas ocasiões. Saiu-me mal o nome. Margarida. O primeiro r mal rolado, o a da segunda sílaba quase inaudível e a acentuação do i hesitante. Inesperadamente ela voltou-se, as feições banhadas numa sensualidade fina que repetia a de outra Margarida, e sorriu. Quando ela sorriu a cadeira até aí tão incómoda, a livraria de Angra do Heroísmo com aquela gente tocada pela literatura, a vida enfim, sei lá porquê, mas eram tudo sítios onde apetecia estar.

Provérbio

Granizo na eira e no nabal um sol abrasador.

APONTAMENTOS DE VIAGEM

3 Maio 2004
Despedidas no aeroporto. A Isonda e o Pedro seguem à frente para Ponta Delgada. Três dias na casa da Salomé, sozinho, debaixo do vulcão. Não é hoje que pego nas aguarelas. Preciso de ver gente.

(19 h. 22 m.)
Largo do Infante, café Volga. Bebo a ver como a maré vazia carda o Calhau suavemente. As mãos enlaçadas deles, no centro da mesa. Palavras soltas de duas mulheres a meu lado. O Correio da Horta dobrado, espera.

Ele pousa-lhe os lábios nas mãos e chega-me o nome Alice num sussurro eternurento... Os cabelos dela baloiçam, vejo e esconde-se, com o entusiasmo, a pérola na sua orelha direita, fala de livros e editoras, coisas assim... Olho a mulher, de frente,dentro dos óculos de massa; sorriem-me, ou invento essa intenção nos olhos escuros que não cruzam os meus.. “Angústias comemora o 1.º Dia da Freguesia no próximo dia 22 de Maio, ..., homenageados o Padre Júlio da Rosa, Dr. Luís Carlos Decq Mota e José Azevedo do Peter Café Sport“; “Sessão de Lançamento de Mau Tempo no Canal, no Salão da Filarmónica União Faialense”.
Largo o jornal. Uma onda quebra-se, com estrondo, num repuxo de espuma que marca o início da enchente. Peço outra bebida. Encontramo-nos, olhos nos olhos.

André Bonirre

12 maio 2004

Um ano

Quando penso na blogosfera é nela que penso. Eu não esqueço quem me fez companhia na prisão.

Seta despedida

A nova pele da Alexandra Barreto, não é nova, mas fica-lhe bem. Também Sous le pavé la plage e Quartzo,Feldspato & Mica, dois dos nossos de todos os dias, mudaram de visual.

A sessão na livraria de Angra (continuação)...

(...) . Eu já bebera, em pequenos goles, todas as garrafas de água destinada aos apresentadores, quando ela entrou.

Era magra, com aspecto de convalescente, uma aparente desatenção ao ambiente. Vestia bem, felizmente. Trazia um séquito de gente demasiado bronzeada, falando muito, sem nenhum respeito pela altura com que se deve falar nas livrarias em transe. Quando nos apresentaram deu-me três beijos. Pensei nos Países Baixos, em Beaudelaire, nos longínquos Utere da Flandres, e os lábios dela ganharam alguma cor. Usava um daqueles perfumes com cheiro a goivos, que esta primavera teima em vulgarizar. Era uma escolha apropriada para o lugar e a ocasião, entre a excessiva informalidade dos acompanhantes e a gravidade do representante da editora. Quando nos sentámos o barulho da sala cessou, numa expectativa que gelou o que me restava de plasma circulante. Disse-lhe: Margarida. Ia dizer qualquer coisa estúpida como: Já cá estão todos. Vai correr tudo tão bem! Mas só consegui dizer: Margarida.

(continua)

11 maio 2004

Trilhos das Brandas

Partimos de Rouças. Uma aldeia com homens de aspecto alucinado soltando ameaças no café, uma ou outra criança brincando na estrada nacional, velhos coçando as hérnias . Só as mulheres mantêm alguma dignidade, todas de preto mas com botas de montanhismo. A rua principal, virada ao monte, está forrada pelos dejectos das vacas, camadas seculares que nem as águas de Inverno removeram. Um regato cruza-a e uma vaca aventurou-se nele à procura das ervas que ressumam das margens. Quando nos vê mija e a urina cai aos borbotões nas águas do riacho. Passamos o largo mais alto da aldeia disputado pelas galinhas e pelos galos que soltam o equivocado canto de despertar, apesar de ser quase meio dia. Começamos a subir o trilho de lajes que leva às brandas, pelos muros das propriedades.

Em cima, na branda de Gorbelas, há meia dúzia de casas sem sinais claros de habitação, apesar de estarmos em Maio. Algumas reses a saírem de um abrigo e à sua passgem solta-se o lamento do boi cobridor, sem direito a passeio. Os prados são terreno de uma raça de fêmeas separadas das crias e dos machos, uma espécie cativa há seis mil anos, desviada das suas formas de existência normal, em permanente trânsito para a nosso talho insaciável.

Continuamos a subir. Ouve-se o cuco. Ao longe as serras são roxas da urze em flor ou amarelas da carqueja. Gostava de colher, para te pôr no peito, lírios e jacintos nos rochedos mais inacessíveis. Depois a branda dos pastores, chamado o Poulo da Seida. Uma dúzia de construções primitivas, refúgio nocturno de pastores em redor de um vale murado. Mais acima está um extenso planalto delimitado pelo Alto da Pedrada e as Lamas onde nasce o rio Vez.. Esta zona está murada. Vemos o muro, com cerca de dois metros na sua maior extensão dirigindo-se para o vale. De vez em quando abre-se no muro um portelo. Se olharmos para o monte que fecha o vale, vemos um muro igual que parece convergir para aquele junto ao qual foi marcado o trilho. É o fojo do lobo, demoro a perceber. O sítio sem recuo onde o mal foi encurralado, empurrado para o fosso. Onde, sem coragem para o olhar nos olhos, caçadores embriagados levantaram os cajados até não ser preciso.

TFT sempre

No próximo post vai desaparecer. Mas não se esqueçam. O noso jardim é de tafetá.

A sessão na livraria de Angra

A Relógio D’Água decide convidar-nos para o lançamento da edição de Mau Tempo no Canal. Aceito por ser em Angra, na livraria In Folio e por, segundo o convite, Margarida Dutra já ter confirmado a sua presença. Merecíamos aquilo. Pesquisei num motor de busca. Nos últimos meses, provêm da blogosfera noventa e quatro por cento das referências ao livro de Nemésio. Mas não percebi logo que éramos convidados para apresentar o livro. Assim não pude invocar o panic attack, a dificuldade em arranjar bilhete de avião, alojamento, agenda (se eu nem uso agenda). Quando me levaram para a mesa da In Folio, Margarida ainda não tinha chegado. O meu amigo do Palácio pareceu-me imponente, como sempre. Aproximou-se, simpático, e disse uma daquelas frases a que nos habituou. Elegantes, longas, profundas e com uma sintaxe arriscadíssima. Falou do livro e de Nemésio e, como sempre acontece nestes momentos de tortura, tive a certeza de que era ele a pessoa adequada para a função que ali me trouxera. Ele, ou, reparando bem, qualquer um dos presentes. Eu já bebera, em pequenos goles, todas as garrafas de água destinada aos apresentadores, quando ela entrou.
(continua)

10 maio 2004

15. Jardim, diz

Dois dos jardins do Mal: os jardins da FBAUP e os jardins do Palácio (com pavões). Vão na claire lunar a.k.a. insensatez, hoje.

Elementos para a biografia (elementar) de André Bonirre

André Bonirre nasceu hoje e num dia no Verão de 2003, quando, encontrando-me impedido num cárcere da Penitenciária de Coimbra (com trânsito em julgado e logo culpado de um crime infame que não ousei até agora confessar-vos, nem me parece que a circunstância actual seja a mais propícia à vossa compreensão), lhe pedi para ir aos Açores procurar Ana Paula Inácio, a poeta agráfica. André é ornitólogo. Ninguém como ele para ouvir o cuco quando subimos às brandas ou para reconhecer pelo vôo o falcão peneireiro. Mas André não é o ornitólogo que Sofia encontrou em Milão. Nos Açores André não encontrou Ana Paula Inácio. Instalou-se numa casa junto ao vulcão dos Capelinhos onde esteve quinze dias que lhe pareceram quinze anos. A pele tomou a cor negra da poeira em que se dissipa o vulcão. Ele vinha à Horta ao fim do dia, sentava-se no café Volga, ficava a ver como a maré vazia cardava o Calhau suavemente. Quando Margarida Dutra o encontrou ele era um desses aventureiros a quem o mescal e a confusão dos crepúsculos fez esquecer a missão.

Mau Tempo secreto

E Mary onde está? Escrevia-lhe tanto.
Em Scheveningen, ao pé da Haia

O diálogo é entre Margarida e Robert Clarck, no Mau Tempo no Canal. Mary é a mulher que Robert esquece quando volta às ilhas. Personagem secundaríssimo, foi de Londres para Scheveningen, como no soneto já antigo, e não se sabe o que disse quando lhe comunicaram a pestífera morte de Robert.
De facto Scheveningen, nome de uma estância de recreio balnear pouco importante, foi a senha da Resistência holandesa contra o nazismo. Os holandeses pretendem que só eles são capazes de pronunciar correctamente esta palavra difícil. Mary, que era de facto uma holandesa exilada, conheceu Nemésio em 1941 num Congresso em Cardiff, ensinou-o a dizer s'chay-fuh-ninger, recrutou-o para o colectivo O Elogio da Loucura. Através dela foi a resistência holandesa que Nemésio, à sua maneira, quis elogiar.

Um Homem. Sem qualidades.

Eu já sabia que o meu cérebro masculino- o que lê as instruções dos electrodomésticos antes de os utilizar, sabe o binário do motor do carro e a memória disponível no disco duro, lê mapas na perfeição e tem objectivos estratégicos- era um desastre. Tinha a secreta esperança de perceber quando os outros sofrem ou exultam, o que sentem quando simplesmente se calam olhando o poente. Um dia destes preenchi os testes. Confirmou-se a minha desgraça nos testes S (Sistematização). Mas nos E (Empatia) a pontuação era igualmente baixa. A chave não deixava margem para dúvidas: o meu resultado correspondia a uma típica resposta masculina.

09 maio 2004

O Fojo de paredes convergentes

A marcha da humanidade é como a serrilha de uma lâmina. Tem altos e baixos. Isto ouvi hoje a um ministro. Eu pensava: curiosa imagem. E pensava: o mesmo não se pode dizer da marcha da lupinidade.

14. JARDINS, DIZ O LAGARTO

O lagarto sai do Hotel Nacional e caminha lentamente até à Praça Élian.
Faz várias tentativas para chegar ao outro passeio do Malecón mas parece que tudo o que é poluidor se fez hoje à estrada. Não arrisca atravessar, começa a ficar velho para estas emoções automobilísticas.
Está mal disposto. Os mojitos que bebeu no hotel com os investidores espanhóis andam-lhe às voltas no estômago e o calor, a esta hora do dia, é insuportável, mesmo para um lagarto. Relembra os velhos tempos do Victoria, ao menos ali, podia optar sem dramas pelos melhores daiquiris do mundo, seus preferidos, sem pôr em causa o interesse revolucionário.
Gosta de Havana, é verdade, sobretudo desta parte de Havana, o Vedado, mais longe dos magotes de turistas e a dois passos da Coppelia. Mas já são muitos anos de luta e ainda mais com aquela crescente sensação de que os seus dias estão a chegar ao fim (a última vez que esteve com Fidel ele confessou-lhe algo semelhante).
Talvez por isso considere seriamente a hipótese de voltar a casa. Há quanto tempo não se espreguiça nos jardins de Cienfuegos? Ouviu falar de um parque natural a meio caminho da sua cidade, em Matanzas. O homem que está à frente daquilo é um seu velho conhecido, ex-militar, biólogo de renome, que noutros tempos andou por Angola. Lembra-se perfeitamente de ter apreendido com ele umas palavras em português, mas apenas uma lhe vem agora à memória: saudade. Na altura pareceu-lhe um conceito de difícil digestão, especialmente para um lagarto, mas está convencido de que é o que agora sente.
Amanhã vai falar com o camarada responsável e dizer-lhe que já não tem estômago para tanta bebida.
Amanhã mesmo, não passa de amanhã..

//sent by Carla de Elsinore

08 maio 2004

The times they aren’t a changin

O negociante de armas passou no aeroporto de Lisboa. Tinha um mandato de captura e a protecção da plutocracia de Luanda. Seguiu em paz. O SEF e os ministros de um país como o nosso não têm poder sobre esta gente.
Kadhaffi vai fuzilar seis enfermeiras e um médico búlgaros acusados de disseminarem o VIH na Líbia. Não se sente nenhuma comoção internacional por esta monstruosidade.
Carlos Silvino está sozinho na cadeia como os mais cépticos vaticinaram. Proença de Carvalho, o mais conhecido dos advogados das crianças, desistiu do patrocínio sem que os motivos fossem esclarecidos.
Ela estava no local errado, no momento errado. E os rapazes nus e encapuçados?

07 maio 2004

FLORES DE TAFETÁ

No jardim F&K de tafetá, o fiel burrinho Jammes (ler Jáme) vive como no céu, inebriado pelas madressilvas e flores de limoeiro carregadas de simbolismo; às vezes, quando o cão labrador o apanha suspirante no cantinho da flor de lótus, ele, cão versado em terapias florais, serve-lhe um chá de mil-folhas, que dizem ser bom para problemas clássicos de educação sentimental.

André Bonirre

Mau Tempo no Canal

Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio, tem uma edição na Imprensa Nacional. A mais acessível é da D. Quixote/FNAC na Colecção de Livros de Bolso e foi editada em 2002. Na capa tem uma Margarida etérea e na contra capa o Nemésio Cyrano, já de meia idade, diferente do rapaz que escreveu o livro, no fim da segunda guerra. O livro é fundamental para entender os amores de Margarida Dulmo e a vitória mundial do programa de André Barreto. A Relógio D’Água, aproveitando a promoção da blogosfera, promete para breve uma nova edição. Vale sempre a pena esperar pelas edições da Relógio D’Água. A náusea de Margarida Dutra- um problema clássico da educação sentimental- essa, não encontrou, até agora, explicação aceitável.

Feira do Livro na terrinha. Últimos dias

Setenta por cento de portugueses não lê sequer um livro por ano. Estavam lá todos na feira do livro da terrinha, novas instalações no bairro afluente. Estavam lá todos mas os livreiros continuavam sentados, o olhar vazio, a face chupada da nicotina e das bicas com que enganam as horas. E as meninas contratadas para os stands com os cabelos encrespados como os livros, esta humidade estraga tudo, não há creme amaciador que salve este encarquilhamento da celulose, este desleixo da queratina. O afluxo simultâneo de tamanha iliteracia causa problemas de estacionamento. Mas depois, lá dentro, circula-se lindamente.

Antologia de O Mal: Francis Jammes


Prière pour aller au paradis avec les ânes

Lorsqu ' il faudra aller vers Vous, ô mon Dieu, faites
que ce soit par un jour où la campagne en fête
poudroiera. Je désire, ainsi que je fis ici-bas,
choisir un chemin pour aller, comme il me plaira,
au Paradis, où sont en plein jour les étoiles.
Je prendrai mon bâton et sur la grande route
j'irai, et je dirai aux ânes, mes amis :
Je suis Francis Jammes et je vais au paradis,
car il n'y a pas d'enfer au pays du Bon Dieu.
Je leur dirai : Venez, doux amis du ciel bleu,
pauvres bêtes chéries qui,
d'un brusque mouvement d'oreille,
chassez les mouches plates, les coups et les abeilles...
Que je Vous apparaisse au milieu de ces bêtes
Que j'aime tant parce qu'elles baissent la tête
doucement, et s'arrêtent en joignant leurs petits pieds
d'une façon bien douce et qui vous fait pitié.
J'arriverai suivi de leurs milliers d'oreilles,
suivis de ceux qui portèrent au flanc des corbeilles,
de ceux traînant des voitures de saltimbanques
ou des voitures de plumeaux et de fer-blanc,
de ceux qui ont au dos des bidons bossués,
des ânesses pleines comme des outres, aux pas cassés,
de ceux à qui l'on met de petits pantalons
à cause des plaies bleues et suintantes que font
les mouches entêtées qui s'y groupent en rond.

Mon Dieu faites qu'avec ces ânes je Vous vienne.
Faites que, dans la paix, des anges nous conduisent
vers des ruisseaux touffus où tremblent des cerises
lisses comme la chair qui rit des jeunes filles,
et faites que, penché dans ce séjour des âmes,
sur Vos divines eaux je sois pareil aux ânes
qui mireront leur humble et douce pauvreté
à la limpidité de l'amour éternel
Francis Jammes (ler Jáme).

230 para não esquecer

Há quase um ano que respiramos o mesmo ar. Agora que eu respiro menos- aperta-se-me o nó na cervical, ele disse por extenso o que eu pensava. Não estou aqui para o Serviço Social, a Direcção Geral, o Sindicato, o Bem e o Mal. Para isso procurem noutro lado, por favor. Não percam comigo o vosso tempo precioso. Eu só quero dizer 230, 27. E verde, jardim, tafetá, tafetá. E quando mesmo uma mulher em vómitos desaparecer, levada pelo seu super ego, ficará fiel o meu burrinho Jammes.

06 maio 2004

Um jardim TFT

Um jardim de tafetá tafetá um jardim com pessoas como F. e como K. com os meus amigos de botas de montanha se puderem o burrinho Jammes (ler Jáme) também que não estraga o verde do jardim de tafetá tafetá e um riacho ao fundo que levasse a água para outros riachos e depois para o mar verde e belo como o jardim tafetá tafetá o vasto mar das ilhas que na preia mar um mar sem nada que lhe cortasse a ilimitação parada uma pura deriva de águas subindo nos buracos comunicantes do Pico onde a literatura está a acabar nisto pensava enquanto na cela o nó se apertava à volta do pescoço

05 maio 2004

O 230 enforcou-se

O 230 enforcou-se na cela. Enforcaram-no, dizem os outros presos. Mas os presos mentem como se sabe, quem é que pode acreditar nos presos? O 230 também, mentia sempre, querem ver que a sua morte foi uma morte de mentira? Tinha graves problemas de toxidependência, o corpo todo marcado na enfermaria, disseram outros presos que o viram. Mas quem se interessa pelo corpo do 230? Quem lhe conta as marcas? Quem se lembra dele antes dos graves problemas de toxicodependência? Agora tem mais uma marca. No pescoço. Uma marca que lhe quebrou a laringe e lhe pôs uma cara grotesca, inchada, a cara irreconhecível dos enforcados. O 230. Numa prisão perto da sua casa, em breve, agora, ontem

13. Jardins, diz



//sent by F&K, My Life is a Game (à solta)

04 maio 2004

Do banimento das palavras

O ano passado também o British Medical Journal quis saber que palavras deveriam ser banidas da revista e da língua inglesa em geral. As top 10 na lista das mais detestadas foram:
9/11 ( o que era uma injustiça pois o BMJ tinha referido sempre o acontecimento como 11September);
clientes (utilizado para descrever doentes);
desenvolvidos/em desenvolvimento (para países);
milagre (em contexto noticioso)
modernização;
herói (para descrever alguém que morreu por ter tido o infortúnio de estar no lugar errado no momento errado).
As outras palavras eram circunstanciais e a piada perde-se na tradução ( ou o amor é um lugar estranho, se quiserem).
Um leitor pediu o banimento de Great em Great Britain (por razoes óbvias) . Paradigma, reforma (reorganização sem avaliação sistemática), lideres de opinião, basicamente, são palavras que ninguém consegue já ouvir sem prurido.
E também a palavra qualidade, a palavra cuidados, a palavra partilhar, a palavra comunidade, todas excessivamente utilizadas.

Tonks A, The joy of banning BMJ 2002; 325:1436 e tb referido por JAS Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care 2003; 33:305-10

Era basicamente isto que queria partilhar hoje convosco e especialmente com a Charlotte.

Felizmente Assunção

Não se deve criticar tudo. A recente medida de submeter os candidatos a deputados europeus ao teste dos 25 é positiva. O Tribunal Constitucional surpreendeu tudo e todos ao condicionar a aceitação das listas dos partidos e coligações concorrentes ao teste dos 25. Numa cabine os candidatos e o mandatário deviam fazer um rápido reconhecimento dos países que constituem agora a nova Europa. Sempre à frente dos acontecimentos Sousa Franco pôs a cruzinha na Bulgária e foi eliminado. A Estónia, o Haiti, a Lapónia, a Eslovénia, a Bósnia Herzegovina, a Ucrânia, a Eslováquia e os Barbados, por este ou aquele motivo, encarregaram-se de eliminar todos os candidatos do Força Portugal e do Partido Socialista. Apesar de várias tentativas e muitos protestos não foi permitido a JPP o preeenchimento do teste nem a ajuda aos examinados. Só Assunção Esteves passou o teste. Podemos votar em consciência nas Europeias.

Do Abismo

Disse-me um que caminhou nas alturas: o abismo é onde os homens vivem.

03 maio 2004

Uma frase sem roupa

Não se pode sair do abismo sem caminhar sobre ele.

PC

Margarida e a carta

D. Corina Peters recebe uma carta de João Garcia, o jovem faialense apaixonado por Margarida. João não pode corresponder-se directamente com Margarida e D. Corina, uma senhora romântica, favorece esses encontros epistolares. João, filho de um contabilista que entrou em rota de colisão com a família Clarck, consciente desta dificuldade suplementar, resolve dirigir-se às duas. A uma manifesta reconhecimento, à outra promete amor. Dona Corina chama Margarida, lê ela própria a carta e entusiasma-se. Subitamente, o olhar de Margarida perde-se no contador.
Uma mulher apaixonada não se engana. Sabe que é a destinatária única, que o mais ancestral e efémero dos milagre resumiu, na cabeça e no corpo de um homem, todas as mulheres do Mundo. Margarida, que não era orgulhosa, não se importaria de partilhar com Dona Corina a escrita inteligente de João. Se o caso fosse de amor. Ora Margarida aborrece-se. As palavras de João distraem-na. Talvez Margarida já esteja com Robert: uma vontade de o deixar subir sem saber porquê. Ou já no convés do barco que a há-de levar para a Europa, coquete com os homens que dela se aproximam.
João Garcia não demorou a perceber. Sim, podia ainda haver entre eles uma segunda linha de coisas comuns e indirectas. Mas um homem aprende depressa o que deve fazer quando a mulher que ama se aborrece

02 maio 2004

12. Jardins, diz

ocupei todos os jardins e parques públicos de Coimbra com os meus juramentos de amor eterno para isso me servem para além de passar por eles adentro primeiro semeei-os a T no Choupal e nem o disse só o pensei porque julgava então que essas coisas não se diziam e não eram importantes e ela como se fosse minha mãe não tenhas medo mas depois sem ordem qualquer especial houve F na Sereia e ainda F outra na fonte de Sant'Anna um equívoco tremendo paciência tantas F reparo agora e ainda I em Vale de Canas as tuas mãos são tão ternas e o teu sorriso triste e houve G e A no Botânico calculei mal porque o Botânico não é tão grande assim bronco que sou desculpem-me sei que não mas peço à mesma e rimo-nos tanto no Manuel Braga apesar de sabermos ainda outra F ena! que nos quedaríamos por aí por causa do teu irmão que de mim queria o mesmo juramento mas ele tinha barba e isso incomodava-me quis-me B e eu a muito ela no Penedo da Saudade e fiquei pois sem parques e jardins mas no estertor edil do Dr. Manuel Machado lembra-se ele de fazer um novo jardim na Casa do Sal e agora quando me prendo nos semáforos fico a olhar para ali a pensar ensimesmado enmimesmado se me sobram sementes daquelas de que falei e se tenho direito a uma letra ainda a uma outra coisa

//sent by T ("sem mais"). Mas T sem mais, sem link, assim solto, para nós é grande.

a resposta é a guerra armada.

Não leio esses livros mas vejo as lombadas nas estantes e apanho-lhes os títulos. Não sei a história da guerra mas ouço-os quando eles falam de históriasde conquistas fabulosas, de impérios e reinos magníficos: o império persa, o romano, o otomano, o austro-húngaro e as cruzadas, os descobrimentos portugueses e espanhóis, o império inglês e o americano; e do homem de Neenderthal. Explicam que todos tinham motivações muito nobres e bondosas como a fome, a posse de terras férteis, o proselitismo, as vias de comunicação prioritárias, a pureza da raça melhor, motivos económicos. Livros de história mais antiga do que a pré-história contam àcerca da raça humana, não descendemos directamente do macaco por evolução-directa-e-contínua com melhoria constante-e-suportada. Em vez disso coexistimos no espaço e tempo geológicos com vários ramos da mesma árvore. Secaram sucessivamente os membros aprisionados pela teia de causas naturais, alguns terão sido extintos por competidores directos, muito provavelmente mortos pelo ancestral da centelha que havíamos de ser nós. Tudo isto é tão remoto e durou tantas eras, tantos ciclos de nascimento, reprodução e morte que nos deve ter ficado nos genes. A resposta armada. Não se poderá contrariar a nossa natureza e nem descendemos de
Neenderthal;esse é que era o nosso ramo bruto. Não te conheço tão bem a ti, meu amigo, o meu scanner perscutador não me revela as tuas intenções internas intestinais, vou-me couraçar de ti. Que ninguém diga o contrário, agora sei qual é o programa de que fala André Barreto, a resposta é a guerra armada.

// sent by PC

11. Jardins, diz

O meu jardim de infância era o meu quintal, nas traseiras da minha casa. Tinha árvores e uma espécie de galinheiro (sem galinhas), sobre o qual uma tábua montada servia-me para deitar e ler, tendo muitas vezes gatos ao colo! Os gatos eram a melhor parte do meu quintal.
Já na Universidade, fui muitas vezes ao Jardim Botânico, percorri e estudei as árvores do Patamar da Gimnospérmicas, o Patamar dos Cedros, a Escola Médica, o Grande Quadrado Central, o tanque da Vitoria regea (planta aquática sobre as folhas da qual pode estar um bebé!), etc.
No Porto, o meu favorito é sem dúvida o Jardim do Palácio de Cristal, com as vistas magníficas de V.N. de Gaia e do rio Douro, as árvores todas identificadas com etiquetas, as esculturas, a Biblioteca Almeida Garrett e a Capela, dentro da qual já assisti a uma peça de teatro! As lindas quintas anexas da Casa Tait (Museu de Numismática) e da Quinta da Macieirinha (Museu Romântico e Casa do Vinho do Porto), bem como os caminhos entre-quintas e pelo meio das árvores. Lindíssimo!
E são estes os meus 3 jardins. Mas onde quer que estejam 3 belas flores, é o meu jardim...

//sent by Alex, O Blog do Alex

01 maio 2004

O Amor em Paz

Eu amei
E amei, ai de mim, muito mais do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer e me desesperar


Foi então
Que da minha infinita tristeza aconteceu você
Encontrei
Em você a razão de viver e de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Porque o amor é a coisa mais triste quando se desfaz
O amor é a coisa mais triste quando se desfaz

Zé Renato
(Tom Jobim/ Vinicius de Moraes)
Tonga (BMGMusic) / Jobim Music
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